Retomada

30 de maio de 2017 0 Por jugomes

O resgate daquilo que fomos pode na verdade vir a ser um encontro com aquilo que sempre quisemos ser. Sendo assim, abrir um canal para escoar os pensamentos em palavras pode ser um caminho para esse encontro.

Para começar, vou reeditar alguns textos meus do blog antigo, que gosto e acho que merecem ser relembrados e preservados. Assim, vou tirando a ferrugem dos dedos e a preguiça da mente para conseguir retomar a rotina de escrita do blog anterior. O caminho da escrita há tanto abandonado está a partir de hoje retomado e, sem preocupação em ser nada além de um exercício para vazão de sentimentos e pensamentos. Se eventualmente prestar pra algo a mais que isso, será um bem-vindo bônus.


 

Resolveu sair de casa. Não para sempre, só sair um pouco. Foi andando, procurando não sabia o quê, alguma coisa ou alguém que pudesse de uma hora pra outra mudar tudo. Lembrou-se de Anaïs Nin. O desejo que ela tinha de agitar sua vida, de encontrar algo era o mesmo que o dela. “Prazeres anormais matam o gosto pelos normais” lembrou dessa frase, não sabe bem porque. Talvez no fundo saiba, mas era difícil deixar certas coisas para trás. O namoro de 7 anos lhe sufocava, mas, por outro lado, era a única coisa certa na sua vida. Entediante, mas certo. Tudo que ela sonhara em ser, grandes planos, grandes expectativas, foi ficando para trás e ela já nem se lembrava direito que planos eram esses. O que tinha era um trabalho sem graça durante a semana e, no fim de semana, o namorado, às vezes um filme, às vezes um jantar, ele vendo TV, ela lendo, como sempre, e sexo também, assim como o resto, apenas mais uma parte da sua rotina semanal. Enquanto pensava nisso, se dirigia sem notar para a livraria. Talvez já estivesse tão acostumada a ir até lá que seu corpo já se movimentava sem querer. Mas estava fechada. Esqueceu que era feriado, nem tinha notado as ruas mais desertas do que o normal. Quando viu a grade de ferro em frente à vitrine não se conteve e começou a chorar e soluçar como uma criança. Tentava se controlar, não havia lógica para aquela reação ridícula. Mas ela não conseguia parar de pensar que aquela grade estava fechada só pra ela. Ela precisava entrar, encontrar a chave e ficar um pouco ali dentro, perto daquelas histórias que podiam levá-la embora. Mas ela não tinha a chave e ficou ali parada até não saber mais quanto tempo tinha se passado. O telefone toca e ela atende. Era o namorado, com voz preocupada, perguntando se estava tudo bem. Ela afirma que sim, que já está voltando pra casa. Depois daquele dia, ela nunca mais conseguiu voltar àquela livraria, nem olhar para aquela vitrine.

RJ, 02/05/2006.