O diagnóstico

O diagnóstico

24 de março de 2018 8 Por jugomes

O diagnóstico da esclerose múltipla (EM) é, em muitos casos, um desafio, pois a doença em sua fase inicial é, em geral, muito sutil e se confunde com sintomas de outras doenças. Comigo não foi diferente. Hoje percebo que já em 2009 ela deu o ar da graça, com um primeiro sintoma e depois novamente em 2014. No fim de 2017, ela apareceu com mais intensidade e, aí sim, corretamente detectada.

Foi em novembro de 2017 que, ao acordar senti meus dois pés dormentes. Assim como em 2009 e 2014, achei que fosse passar. Nas duas ocasiões havia feito o exame de eletroneuromiografia, sem alterações e, apesar das dormências terem praticamente sumido, permaneceu desde então uma sensação estranha nos pés, às vezes um choque quando abaixava a cabeça ou quando tocava no peito do pé em alguns locais específicos. Mas, mesmo assim, achei que fosse alguma frescura da minha cabeça, que estava sendo hipocondríaca e concluí que aquela dormência, como das outras vezes, seria transitória.

Só que dessa vez a dormência não passou, pelo contrário, piorou. Na semana seguinte, já tinha chegado aos joelhos e na outra já estava na altura do umbigo. Tudo abaixo da cintura estava dormente. Além disso, eu estava com uma sensação muito estranha na planta do pé, bem perto dos dedos, como se tivesse um enorme calo, como se meu pé tivesse um casco, uma bola em baixo dele, o que me impedia de pisar direito. Sem falar numa fadiga constante que até então eu achava que fosse só da idade chegando mesmo.

Meu primeiro pensamento foi que seria algum problema de coluna e lá fui eu à ortopedista. Além de nova eletroneuromiografia, que deu mais uma vez tudo normal, fiz ressonância magnética da coluna inteira e, graças à iluminação divina da Dra. Ana Claudia de Souza, excelente ortopedista por sinal, também uma ressonância do crânio.

A ressonância da lombar deu tudo normal, nenhuma hérnia, ufa! Mas aí, vendo o restante da coluna, dorsal, cervical e chegando ao crânio, lá estavam elas, as tais lesões compatíveis com “doença desmielinizante”. A Dra. Ana Claudia então me pediu para procurar um neurologista, pois meu caso não seria ortopédico e sim neurológico.

Saí do consultório meio baratinada e fiz aquilo que todo mundo faz, mas que não deveria fazer, que é consultar o Dr. Google pra saber que diabos era essa doença desmielinizante. É claro que o cenário foi o pior possível, o Dr. Google é sempre muito trágico. Fiquei arrasada porque tudo indicava para um diagnóstico de esclerose múltipla. Chorei muito, falei pra minha mulher que se ela achasse melhor terminar tudo, que era esse o momento, que eu não queria que ela tivesse que ser obrigada a ficar ao lado de uma inválida e muitos outros absurdos que passaram na minha cabeça. Achava que estaria condenada a terminar minha vida precocemente e da pior forma possível. A descrição da doença era assustadora: doença degenerativa autoimune do sistema nervoso. Só o nome já é medonho “esclerose” e ainda por cima, múltipla! Isso tudo acontecendo durante as festas de fim de ano, Natal, Réveillon… Foi bem tenso.

Minha consulta com um neurologista super bem recomendado, o Dr. José Maurício Godoy Barreiros, estava marcada pro dia 03 de janeiro de 2018. A primeira coisa que ele fez foi me tranquilizar e também me dar aquele esporrinho básico por ter ido consultar o Dr. Google primeiro… rsrsrsrs… Ele então pediu uma série de exames para descartar outras doenças, como lúpus, por exemplo e o famigerado exame da raquicentese, uma coleta do líquor da medula espinhal. Esse exame em si é tranquilo de fazer, com anestesia local e tudo, o pesado é o depois. Eu tive que ficar absolutamente deitada por umas 48h porque se levantasse um pouquinho que seja a cabeça vinha uma dor lancinante. Nem travesseiro um pouco mais alto dava pra usar. Muito doido isso. Mas depois de quase 3 dias deitada, voltou tudo ao normal. É incrível que a retirada de um pouco do líquido da medula cause esse efeito. Meu primo, que é médico, me explicou que o cérebro fica flutuando nesse líquido e se você o retira o organismo precisa repor, se não a cabeça dói. Esse processo leva um certo tempo e, pela quantidade recolhida no exame, demora mais ou menos esses 3 dias.

Ainda tive que fazer outros exames que demoraram a ficar prontos, pois foi identificada também a existência de anticorpos de cardiolipina que indicam uma predisposição para trombofilia, a SAAF (Síndrome do Anticorpo Antifosfolipídeo). Lá fui eu para outro especialista, a excelente Dra. Alycia Coelho, clínica geral e reumatologista. Essa síndrome (SAAF) na verdade só é de fato constatada a partir de um evento de trombose ou de abortos recorrente e, havendo a existência do anticorpo detectada no exame de sangue, a pessoa passa a tomar anticoagulantes para evitar ter outras tromboses ou se quiser engravidar. Como não é o meu caso, não pretendo engravidar e nunca tive trombose, não é necessária a utilização do anticoagulante, exceto em ocasiões específicas, como uma longa viagem de avião, por exemplo. Isso porque, apesar de não poder ser definido que tenho a SAAF, tenho o anticorpo, o que faz com que eu possa vir a desenvolvê-la.

Finalmente, com todos os exames prontos, voltei ao Dr. Godoy no dia 05 de março e recebi o veredito final, a esclerose múltipla estava confirmada, mas ainda na sua forma mais branda. Mesmo estando no início, o médico optou pelo tratamento com medicação no sentido de evitar novos surtos e, consequentemente, o agravamento da doença. Esse é o protocolo de ação mais moderno, atacar a doença desde o início. A escolha do medicamento também se deveu à identificação da predisposição genética da SAAF, que, no meu caso, poderia ser desencadeada por determinados tipos de remédio.

Num próximo post vou falar a respeito da medicação. Antigamente, a única medicação disponível para a EM eram os corticoides que agiam nas áreas inflamadas, mas que traziam muitos efeitos colaterais. Para certos casos é ainda necessário o uso dessa medicação, porém, no meu caso, será utilizado um imunomodulador, que vai agir de forma quase que preventiva para evitar a evolução da doença. Vou também falar sobre como está sendo feita a distribuição da medicação pelo SUS, já que se trata de um remédio extremamente caro, que eu jamais poderia arcar do meu bolso (custaria mais ou menos de 6 a 8 mil reais por mês). Graças a Deus existe o programa de distribuição de remédios do governo, caso contrário, não seria possível eu realizar o tratamento.